quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Após coletiva de imprensa realizada na tarde de sexta-feira, 26 de outubro, em Vitória (ES), em um apelo contra a violência, clamando por justiça junto aos homens de boa vontade


  Província Eclesiástica do Espírito Santo - 26 de outubro de 2012

Carta aos católicos, autoridades constituídas e pessoas de boa vontade
I
“Se eles se calarem, as pedras gritarão”! (Lc 19, 40) Iniciamos esta carta sob a Luz da Palavra de Deus, certos e convictos de que a luz de nosso caminho é a Palavra de Deus (Sl 119,105).

Há algum tempo o Estado do Espírito Santo vem sendo palco de uma terrível violência. Há ameaças à vida humana em todas as suas etapas. Como um poderoso “dragão”, impera sobre nós a cultura da violência e da morte. O ser humano é subjugado desde o seio materno, na infância desnutrida e abandonada, na adolescência e juventude sem perspectivas, na vida adulta imobilizada pelo poder do crime, na terceira idade silenciada e desrespeitada, sem paz e sem direitos.

Nas esquinas de ruas, nas praças e nas estradas os sinais de violência estão presentes e dizimam o ser humano sem piedade. O povo chora, as mães gemem de dor, a mídia noticia, as autoridades constituídas procuram so­luções e, a realidade não muda.

Nós, Bispos da Igreja Católica, unidos aos presbíteros, religiosos(as) e leigos (as) consagrados, sentimos que é preciso fazer eco à Campanha Nacional da Juventude e dizer publicamente em bom som: Basta!

Diz o Senhor: “não matarás”! (Ex 20,13) “O que eu vos mando é que vos ameis uns aos outros” (Jo 15, 17)!

Nossa intenção não é propriamente denunciar o pecado presente na sociedade porque não há necessidade de denúncia ou denuncismo, pois quem tem olhos para ver enxerga, quem tem coração para sentir sente e chora ou grita de dor, quem tem fé deplora o pecado mortal e escandaloso diante de todos.

Antes de tudo, queremos, sim, convocar! Convocar todos os irmãos e irmãs de fé, todas as pessoas de boa vontade que convivem conosco na sociedade, seja esta agnóstica, seja qual for a crença destas pessoas, pois acreditamos na sinceridade do ser humano, sedento de paz e felicidade, e, sentimo-nos, com elas, companheiros na via da verdade, da sinceridade, da justiça e da paz!

Para que todos se convençam da urgência de novas atitudes em todos os setores da sociedade tomamos a liberdade de pontuar, com base em dados apurados em levantamentos sérios, alguns aspectos da realidade de violência, para lembrar que, o grito que a juventude faz ecoar, em sua própria defesa, é um grito de toda a sociedade, que junto com ela é vítima da mesma violência. O grito da juventude é, também, o grito da sociedade do Estado do Espírito Santo.

Antes, porém, fazemos nossas interrogações: por que tanta violência? Quais as causas destas violências, desta cultura de violência e morte? Não pretendemos abordar cientificamente todas as variantes deste grande problema social. Estamos convictos de que não se trata de um problema surgido na última década. Os sociólogos saberão, certamente, indicar com espírito mais científico, as causas principais do problema. Porém, nosso olhar de fé, faz­-nos ver causas que, talvez, outros ainda não observaram. Sabemos que a perda de valores e de responsabilidade de uns com os outros tem, também, suas raízes ideológicas em um tipo de poder que pretende ‘empobrecer’ e dominar os mais fracos, aproveitando-se das fragilidades de cada tempo.

Herdamos da Europa uma religiosidade Ibérica que por longo tempo separou a Fé da Vida. Ao fazer esforços para superar esta dicotomia, a Igreja foi criticada e sofreu duras perseguições. Com os documentos pastorais de Medellín e Puebla, as Comunidades Eclesiais de Base, fortaleceram-se na fé, embora, em alguns momentos tivessem, também, uma participação mais ideológica e até partidária. Hoje, a Igreja continua sua missão de unir Fé e Vida com elas e através delas, missão assumida com o Plano de Emergência, preparado pelo episcopado brasileiro a pedido de Sua Santidade o Papa João XXIII.

Contraposto a este trabalho, nos últimos quarenta anos, entrou na América Latina uma pregação religiosa diferente. Grupos religiosos, que passaram a fazer uso da fé e da religião como negócio, retirando toda a força profética do Evangelho. Esta linha de trabalho religioso, proveniente do hemisfério Norte, carrega um forte lastro ideológico e materialista com um discurso religioso diferente, desligado da vida e com respostas imediatistas que confundem o povo, sobretudo os mais empobrecidos e, acomodam as consciências no campo da justiça social. Porém, trouxe de alguma forma, uma resposta ao desejo verdadeiro de todos de uma vida espiritual. Esses grupos propõem a religião como projeto político, negócio e lucro. Assim, distanciam as pessoas de Deus, sentido profundo de vida e de salvação. Esse distanciamento de Deus está levando a sociedade para a indiferença, a descrença em valores, o desprezo pela ética, a desilusão do ateísmo prático e desesperador. Neste contexto a violência ganha espaço e aumenta cada dia.

II

Os números da violência são divulgados frequentemente, mas é importante lembrar que, esses ‘números’ referem­-se a pessoas: crianças, adolescentes, jovens, mulheres e idosos.

Os últimos dados divulgados em 2012 apontam o Espírito Santo nas primeiras posições seja qual for o tipo de violência:

• Violência – 1º lugar

• Violência contra a mulher – 4º lugar

• Homicídios entre crianças e jovens de zero a 19 anos – 2º lugar.

• Violência contra os idosos – somente em Vitória a média é de 1 denúncia por dia.

• Entre os municípios mais violentos do Brasil o Espírito Santo, com apenas 78 municípios, tem 8 nas seguintes posições: 2º (Serra); 8º (Cariacica); 11º (Vitória); 12º (Linhares); 31º (Viana); 32º (Vila Velha); 40º (Guarapari); 59º (São Mateus).

Em números absolutos, no ano de 2011, o Estado do Espírito Santo registrou 1.725 homicídios, sendo 899 jovens entre 15 e 29 anos.

Os dados são do Instituto Sangari; Unicef; Ministério da Justiça; NEVI, Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos; CEMAS, Centros Municipais de Assistência Social, e Mapa da Violência 2012.

III

Os dados acima referidos ajudam-nos a firmar nossa convicção de que não podemos ficar calados. Cientes de nossa responsabilidade moral como líderes de uma porção de habitantes deste Estado, julgamos oportuno convocar todos os irmãos na fé e, apelamos às autoridades constituídas e pessoas de boa vontade, para juntos buscarmos soluções possíveis para dar impulso a um processo de superação destes desafios humanos que se apresentam desumanos aos nossos olhos.

Por isso, convocamos todos, especialmente a juventude protagonista na luta pela paz, com seu grito “basta de violência”, a buscar um Estado pacífico, progressista e portador de valores, compromissos éticos, morais e cristãos. O Estado do Espírito Santo em sua história não pode perder a sua tradição de cultura cristã que vem cultivando desde o seu início quando, ainda, capitania, o Bem Aventurado padre José de Anchieta, deixou sua marca de fé integradora em nossa história.

Aqui recordamos os Ensinamentos da Doutrina Social da Igreja, que se preocupa com a centralidade da pessoa vocacionada como colaboradora do Criador na construção de um mundo segundo os desígnios de Deus, cujo Verbo pronunciou toda a criação.

Estes Princípios, Dignidade da Pessoa, Bem Comum, Solidariedade e Subsidiariedade, orientam o comportamento, as relações humanas e a convivência social.

IV

Os mesmos Princípios impelem-nos a assumir atitudes novas e Políticas Públicas corretas que levem em consi­deração todas as etapas da vida humana que se encontra violentada. Cada um com sua competência, respon­sabilidade, função e missão. Precisamos voltar nossa atenção e nossas ações para:

1. O cuidado especial com a família

2. O cuidado com os direitos do nascituro

3. O cuidado com a infância respeitando os direitos de educação para o amor, para o respeito e para a paz

4. O cuidado e atenção com os adolescentes e a juventude nos seus direitos de cidadania e participação na vida do município, direitos de educação plena, com valores e conceitos positivos do ser humano sujeito da história. Aqui apontamos o grande valor da escola, onde o corpo docente assume a responsabilidade da educação moral pelo testemunho e convicção de uma sociedade justa e fraterna, onde Deus deve ocupar o lugar central como luz que ilumina nossos passos.

5. O cuidado com a mulher, seja enquanto sujeito de ternura, seja no exercício de seus plenos direitos igualitários e respeito, na sua formação de portadora de valores perenes de vida.

6. O cuidado com idoso em seus direitos à vida, ao descanso e ao respeito amoroso de sua família e da sociedade.

Como sugestões de ações a realizar, pode ser consultado o Manual da Campanha da Fraternidade de 2009, que teve como Tema: Fraternidade e Segurança Pública e como Lema: A paz é fruto da justiça (Is 32, 17), nas páginas 297 e 298.

Os Ensinamentos da Doutrina Social assimilados pelas pessoas e orientando as decisões políticas podem trans­formar a cultura de morte em cultura de vida e o estado violento em estado de paz e feliz convivência.

Neste ano que dedicamos à fé, reafirmamos a suma importância da integração Fé e Vida “Meus irmãos, a fé que tendes em Nosso Senhor glorificado não deve admitir acepção de pessoas [...] Que adianta alguém dizer que tem fé, quando não a põe em prática?” (Tg 2, 1 e, 14).

Conclamamos, todos os líderes cristãos, a priorizar os valores fundamentais da vida humana na missão de cons­trutores da sociedade, em todos os ambientes de vida, bem como no exercício das profissões ou serviços que prestam como cidadãos no mundo onde habitamos, certos de que um dia Deus enxugará as lágrimas de nossos olhos, tendo em vista nossa contribuição pessoal e coletiva.

Que este nosso esforço seja abençoado pela Mãe de Jesus e nossa Mãe, cujos títulos tocam o nosso coração: Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Nossa Senhora do Amparo, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora da Vitória e Nossa Senhora das Alegrias, a Virgem da Penha, que é, também, Nossa Senhora da Paz!

Deus abençoe a todos.

Dom Luiz Mancilha Vilela, SSCC - Arcebispo Metropolitano de Vitória

Dom Dario Campos  - Bispo da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim

Dom Décio Zandonade  - Bispo da Diocese de Colatina

Dom Zanoni Demetino de Castro  - Bispo da Diocese de S. Mateus

Dom Rubens Sevilha  - Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Vitória

Dom Joaquim Wladimir Lopes Dias - Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Vitória

Nenhum comentário:

Postar um comentário