Carta aos católicos, autoridades constituídas e pessoas de
boa vontade
I“Se eles se calarem, as pedras gritarão”! (Lc 19, 40) Iniciamos esta carta sob a Luz da Palavra de Deus, certos e convictos de que a luz de nosso caminho é a Palavra de Deus (Sl 119,105).
Há algum tempo o Estado do Espírito Santo vem sendo palco de
uma terrível violência. Há ameaças à vida humana em todas as suas etapas. Como
um poderoso “dragão”, impera sobre nós a cultura da violência e da morte. O ser
humano é subjugado desde o seio materno, na infância desnutrida e abandonada,
na adolescência e juventude sem perspectivas, na vida adulta imobilizada pelo
poder do crime, na terceira idade silenciada e desrespeitada, sem paz e sem
direitos.
Nas esquinas de ruas, nas praças e nas estradas os sinais de
violência estão presentes e dizimam o ser humano sem piedade. O povo chora, as
mães gemem de dor, a mídia noticia, as autoridades constituídas procuram soluções
e, a realidade não muda.
Nós, Bispos da Igreja Católica, unidos aos presbíteros,
religiosos(as) e leigos (as) consagrados, sentimos que é preciso fazer eco à
Campanha Nacional da Juventude e dizer publicamente em bom som: Basta!
Diz o Senhor: “não matarás”! (Ex 20,13) “O que eu vos mando
é que vos ameis uns aos outros” (Jo 15, 17)!
Nossa intenção não é propriamente denunciar o pecado
presente na sociedade porque não há necessidade de denúncia ou denuncismo, pois
quem tem olhos para ver enxerga, quem tem coração para sentir sente e chora ou
grita de dor, quem tem fé deplora o pecado mortal e escandaloso diante de
todos.
Antes de tudo, queremos, sim, convocar! Convocar todos os
irmãos e irmãs de fé, todas as pessoas de boa vontade que convivem conosco na
sociedade, seja esta agnóstica, seja qual for a crença destas pessoas, pois
acreditamos na sinceridade do ser humano, sedento de paz e felicidade, e,
sentimo-nos, com elas, companheiros na via da verdade, da sinceridade, da
justiça e da paz!
Para que todos se convençam da urgência de novas atitudes em
todos os setores da sociedade tomamos a liberdade de pontuar, com base em dados
apurados em levantamentos sérios, alguns aspectos da realidade de violência,
para lembrar que, o grito que a juventude faz ecoar, em sua própria defesa, é
um grito de toda a sociedade, que junto com ela é vítima da mesma violência. O
grito da juventude é, também, o grito da sociedade do Estado do Espírito Santo.
Antes, porém, fazemos nossas interrogações: por que tanta
violência? Quais as causas destas violências, desta cultura de violência e
morte? Não pretendemos abordar cientificamente todas as variantes deste grande
problema social. Estamos convictos de que não se trata de um problema surgido
na última década. Os sociólogos saberão, certamente, indicar com espírito mais
científico, as causas principais do problema. Porém, nosso olhar de fé, faz-nos
ver causas que, talvez, outros ainda não observaram. Sabemos que a perda de
valores e de responsabilidade de uns com os outros tem, também, suas raízes
ideológicas em um tipo de poder que pretende ‘empobrecer’ e dominar os mais
fracos, aproveitando-se das fragilidades de cada tempo.
Herdamos da Europa uma religiosidade Ibérica que por longo
tempo separou a Fé da Vida. Ao fazer esforços para superar esta dicotomia, a
Igreja foi criticada e sofreu duras perseguições. Com os documentos pastorais
de Medellín e Puebla, as Comunidades Eclesiais de Base, fortaleceram-se na fé,
embora, em alguns momentos tivessem, também, uma participação mais ideológica e
até partidária. Hoje, a Igreja continua sua missão de unir Fé e Vida com elas e
através delas, missão assumida com o Plano de Emergência, preparado pelo
episcopado brasileiro a pedido de Sua Santidade o Papa João XXIII.
Contraposto a este trabalho, nos últimos quarenta anos,
entrou na América Latina uma pregação religiosa diferente. Grupos religiosos,
que passaram a fazer uso da fé e da religião como negócio, retirando toda a
força profética do Evangelho. Esta linha de trabalho religioso, proveniente do
hemisfério Norte, carrega um forte lastro ideológico e materialista com um
discurso religioso diferente, desligado da vida e com respostas imediatistas
que confundem o povo, sobretudo os mais empobrecidos e, acomodam as
consciências no campo da justiça social. Porém, trouxe de alguma forma, uma
resposta ao desejo verdadeiro de todos de uma vida espiritual. Esses grupos
propõem a religião como projeto político, negócio e lucro. Assim, distanciam as
pessoas de Deus, sentido profundo de vida e de salvação. Esse distanciamento de
Deus está levando a sociedade para a indiferença, a descrença em valores, o
desprezo pela ética, a desilusão do ateísmo prático e desesperador. Neste
contexto a violência ganha espaço e aumenta cada dia.
II
Os números da violência são divulgados frequentemente, mas é
importante lembrar que, esses ‘números’ referem-se a pessoas: crianças,
adolescentes, jovens, mulheres e idosos.
Os últimos dados divulgados em 2012 apontam o Espírito Santo
nas primeiras posições seja qual for o tipo de violência:
• Violência – 1º lugar
• Violência contra a mulher – 4º lugar
• Homicídios entre crianças e jovens de zero a 19 anos – 2º
lugar.
• Violência contra os idosos – somente em Vitória a média é
de 1 denúncia por dia.
• Entre os municípios mais violentos do Brasil o Espírito
Santo, com apenas 78 municípios, tem 8 nas seguintes posições: 2º (Serra); 8º
(Cariacica); 11º (Vitória); 12º (Linhares); 31º (Viana); 32º (Vila Velha); 40º
(Guarapari); 59º (São Mateus).
Em números absolutos, no ano de 2011, o Estado do Espírito
Santo registrou 1.725 homicídios, sendo 899 jovens entre 15 e 29 anos.
Os dados são do Instituto Sangari; Unicef; Ministério da
Justiça; NEVI, Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão sobre Violência, Segurança
Pública e Direitos Humanos; CEMAS, Centros Municipais de Assistência Social, e
Mapa da Violência 2012.
III
Os dados acima referidos ajudam-nos a firmar nossa convicção
de que não podemos ficar calados. Cientes de nossa responsabilidade moral como
líderes de uma porção de habitantes deste Estado, julgamos oportuno convocar
todos os irmãos na fé e, apelamos às autoridades constituídas e pessoas de boa
vontade, para juntos buscarmos soluções possíveis para dar impulso a um
processo de superação destes desafios humanos que se apresentam desumanos aos
nossos olhos.
Por isso, convocamos todos, especialmente a juventude
protagonista na luta pela paz, com seu grito “basta de violência”, a buscar um
Estado pacífico, progressista e portador de valores, compromissos éticos,
morais e cristãos. O Estado do Espírito Santo em sua história não pode perder a
sua tradição de cultura cristã que vem cultivando desde o seu início quando,
ainda, capitania, o Bem Aventurado padre José de Anchieta, deixou sua marca de
fé integradora em nossa história.
Aqui recordamos os Ensinamentos da Doutrina Social da
Igreja, que se preocupa com a centralidade da pessoa vocacionada como
colaboradora do Criador na construção de um mundo segundo os desígnios de Deus,
cujo Verbo pronunciou toda a criação.
Estes Princípios, Dignidade da Pessoa, Bem Comum,
Solidariedade e Subsidiariedade, orientam o comportamento, as relações humanas
e a convivência social.
IV
Os mesmos Princípios impelem-nos a assumir atitudes novas e
Políticas Públicas corretas que levem em consideração todas as etapas da vida
humana que se encontra violentada. Cada um com sua competência, responsabilidade,
função e missão. Precisamos voltar nossa atenção e nossas ações para:
1. O cuidado especial com a família
2. O cuidado com os direitos do nascituro
3. O cuidado com a infância respeitando os direitos de
educação para o amor, para o respeito e para a paz
4. O cuidado e atenção com os adolescentes e a juventude nos
seus direitos de cidadania e participação na vida do município, direitos de
educação plena, com valores e conceitos positivos do ser humano sujeito da
história. Aqui apontamos o grande valor da escola, onde o corpo docente assume
a responsabilidade da educação moral pelo testemunho e convicção de uma
sociedade justa e fraterna, onde Deus deve ocupar o lugar central como luz que
ilumina nossos passos.
5. O cuidado com a mulher, seja enquanto sujeito de ternura,
seja no exercício de seus plenos direitos igualitários e respeito, na sua
formação de portadora de valores perenes de vida.
6. O cuidado com idoso em seus direitos à vida, ao descanso
e ao respeito amoroso de sua família e da sociedade.
Como sugestões de ações a realizar, pode ser consultado o
Manual da Campanha da Fraternidade de 2009, que teve como Tema: Fraternidade e
Segurança Pública e como Lema: A paz é fruto da justiça (Is 32, 17), nas
páginas 297 e 298.
Os Ensinamentos da Doutrina Social assimilados pelas pessoas
e orientando as decisões políticas podem transformar a cultura de morte em
cultura de vida e o estado violento em estado de paz e feliz convivência.
Neste ano que dedicamos à fé, reafirmamos a suma importância
da integração Fé e Vida “Meus irmãos, a fé que tendes em Nosso Senhor
glorificado não deve admitir acepção de pessoas [...] Que adianta alguém dizer
que tem fé, quando não a põe em prática?” (Tg 2, 1 e, 14).
Conclamamos, todos os líderes cristãos, a priorizar os
valores fundamentais da vida humana na missão de construtores da sociedade, em
todos os ambientes de vida, bem como no exercício das profissões ou serviços
que prestam como cidadãos no mundo onde habitamos, certos de que um dia Deus
enxugará as lágrimas de nossos olhos, tendo em vista nossa contribuição pessoal
e coletiva.
Que este nosso esforço seja abençoado pela Mãe de Jesus e
nossa Mãe, cujos títulos tocam o nosso coração: Nossa Senhora da Imaculada
Conceição, Nossa Senhora do Amparo, Nossa Senhora da Saúde, Nossa Senhora da
Vitória e Nossa Senhora das Alegrias, a Virgem da Penha, que é, também, Nossa
Senhora da Paz!
Deus abençoe a todos.
Dom Luiz Mancilha Vilela, SSCC - Arcebispo Metropolitano de
Vitória
Dom Dario Campos - Bispo
da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim
Dom Décio Zandonade -
Bispo da Diocese de Colatina
Dom Zanoni Demetino de Castro - Bispo da Diocese de S. Mateus
Dom Rubens Sevilha - Bispo
Auxiliar da Arquidiocese de Vitória
Dom Joaquim Wladimir Lopes Dias - Bispo Auxiliar da
Arquidiocese de Vitória